Na década de
1980, numa noite aparentemente normal na PR-92, nas terras entrecortadas pelas montanhas baixas do Norte Pioneiro do Paraná um grupo de universitários
retornava de Jacarezinho para Wenceslau Braz.
O velho ônibus
que os trazia apresentou uma pane mecânica, quer por coincidência do acaso,
quer por seu estado precário. O motorista teve que parar no acostamento. Era
quase meia-noite e a estrada estava deserta, envolta em um silêncio, ora
entrecortado pelo farfalhar do vento e corujas estridentes. O desespero
começava a se infiltrar entre os passageiros mais receosos, até que, ao longe,
se aproximava os faróis do que parecia ser um ônibus, rasgando a escuridão.
Era um coletivo
da Viação Garcia, puderam ver, que se aproximava vagarosamente. O veículo reluzia
sob a luz da lua. O motorista, um homem de feições gentis, parou e ofereceu
ajuda aos universitários. Aliviados, os estudantes embarcaram no ônibus. Mas
menos de dois quilômetros a frente, o alívio deu lugar à estranheza.
Os estudantes observaram que os demais passageiros estavam estranhamente vestidos de branco, mantinham-se em um
silêncio sepulcral e encavam o vazio à frente de seus olhos. Não se ouviam
risos, nem murmúrios, nem o tilintar de bolsas ou chaves. Apenas o ronco baixo
do motor, que ecoava por entre os corpos estáticos. Havia também um cheiro doce
no ar, algo um tanto indefinido, como flores murchas misturadas ao leve odor de incenso queimado.
Durante a
viagem, os universitários trocaram olhares, inquietos. Algo não parecia certo.
O clima no ônibus era pesado, como se carregasse uma história mal contada, um
segredo sombrio preso entre seus assentos. Cada quilômetro percorrido aumentava
a sensação de que estavam deslocados, como se estivessem atravessando uma
fronteira invisível.
O que significaria,
aquilo, um bando de pessoas que seriam transportadas ao hospício? Todos de
branco, ninguém falava com ninguém, e ninguém nos fitava, nem sequer mudavam de posição e permaneciam como se estivessem
olhando para o além.
Quando desembarcaram
do ônibus os universitários sentiram um grande alívio. Embora estivessem
agradecidos pela carona, também estavam agradecidos por terem saído daquela
atmosfera esquisita e assustadora.
No dia seguinte,
uma das jovens estudantes, grata pelo transporte, decidiu ligar para a Viação Garcia
para agradecer pela carona salvadora. Ao descrever o ônibus e o motorista
gentil, a atendente, do outro lado da linha, ficou em silêncio.
Um instante
depois, com a voz embargada, a atendente revelou que a empresa Garcia não tinha
linha usual entre Jacarezinho e Wenceslau Braz e que o ônibus descrito havia se
acidentado na mesma noite, nas imediações de Cornélio Procópio. Além disso, o motorista e todos os passageiros que
estavam a bordo haviam morrido, sem exceção.
O sangue da jovem gelou e ela sentiu uma forte tontura por uns dez segundos, até que, arrepiada começou a pensar. "Como poderia ser? Eles haviam pegado carona naquele ônibus que estava indo ao além. Será que estavam indo ao além vida? Conversamos com o motorista, respiramos aquele ar estranho borrifado a perfume de rosas, vimos as roupas brancas e os olhares para a imensidão, como se estivessem vislumbrando o nada, exceto o motorista, por assim dizer, parecia normal, mas, pensando bem, estava de roupas brancas também, porém, no momento todos acharam que era o uniforme da Garcia."
Definitivamente, o ônibus que os havia resgatado não mais era um simples coletivo – era um mensageiro de almas, transitando entre o mundo dos vivos e o reino dos mortos, talvez em busca de companhia ou, quem sabe, de um último trajeto pela estrada que um dia fora seu destino final.
A mesma aluna que ligou para a empresa, por vias das dúvidas, resolveu encomendar uma missa para os passageiros falecidos no acidente com o ônibus da Garcia, afinal, quem sabe não era isso que queriam em troca da gentil carona.
Esta história permaneceu em segredo por um bom tempo, isso porque os estudantes achavam absurdo demais comentar, porém algum dia alguém resolveu revela-la ao jornal folha extra.
Este conto é uma adaptação da história "Ônibus Garcia" contido no Jornal Folha Extra, na coluna "Lendas do Interior".
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