sexta-feira, 20 de setembro de 2024

DESTINO AO ALÉM (Lendas e contos populares)

 




    Na década de 1980, numa noite aparentemente normal na PR-92, nas terras entrecortadas pelas montanhas baixas do Norte Pioneiro do Paraná um grupo de universitários retornava de Jacarezinho para Wenceslau Braz.

    O velho ônibus que os trazia apresentou uma pane mecânica, quer por coincidência do acaso, quer por seu estado precário. O motorista teve que parar no acostamento. Era quase meia-noite e a estrada estava deserta, envolta em um silêncio, ora entrecortado pelo farfalhar do vento e corujas estridentes. O desespero começava a se infiltrar entre os passageiros mais receosos, até que, ao longe, se aproximava os faróis do que parecia ser um ônibus, rasgando a escuridão.

    Era um coletivo da Viação Garcia, puderam ver, que se aproximava vagarosamente. O veículo reluzia sob a luz da lua. O motorista, um homem de feições gentis, parou e ofereceu ajuda aos universitários. Aliviados, os estudantes embarcaram no ônibus. Mas menos de dois quilômetros a frente, o alívio deu lugar à estranheza.

    Os estudantes observaram que os demais passageiros estavam estranhamente  vestidos de branco, mantinham-se em um silêncio sepulcral e encavam o vazio à frente de seus olhos. Não se ouviam risos, nem murmúrios, nem o tilintar de bolsas ou chaves. Apenas o ronco baixo do motor, que ecoava por entre os corpos estáticos. Havia também um cheiro doce no ar, algo um tanto indefinido, como flores murchas misturadas ao leve odor de incenso queimado.

    Durante a viagem, os universitários trocaram olhares, inquietos. Algo não parecia certo. O clima no ônibus era pesado, como se carregasse uma história mal contada, um segredo sombrio preso entre seus assentos. Cada quilômetro percorrido aumentava a sensação de que estavam deslocados, como se estivessem atravessando uma fronteira invisível.

    O que significaria, aquilo, um bando de pessoas que seriam transportadas ao hospício? Todos de branco, ninguém falava com ninguém, e ninguém nos fitava, nem sequer mudavam de posição e permaneciam como se estivessem olhando para o além.

    Quando desembarcaram do ônibus os universitários sentiram um grande alívio. Embora estivessem agradecidos pela carona, também estavam agradecidos por terem saído daquela atmosfera esquisita e assustadora.

    No dia seguinte, uma das jovens estudantes, grata pelo transporte, decidiu ligar para a Viação Garcia para agradecer pela carona salvadora. Ao descrever o ônibus e o motorista gentil, a atendente, do outro lado da linha, ficou em silêncio.

    Um instante depois, com a voz embargada, a atendente revelou que a empresa Garcia não tinha linha usual entre Jacarezinho e Wenceslau Braz e que o ônibus descrito havia se acidentado na mesma noite, nas imediações de Cornélio Procópio. Além disso, o motorista e todos os passageiros que estavam a bordo haviam morrido, sem exceção.

    O sangue da jovem gelou e ela sentiu uma forte tontura por uns dez segundos, até que, arrepiada começou a pensar. "Como poderia ser? Eles haviam pegado carona naquele ônibus que estava indo ao além. Será que estavam indo ao além vida? Conversamos com o motorista, respiramos aquele ar estranho borrifado a perfume de rosas, vimos as roupas brancas e os olhares para a imensidão, como se estivessem vislumbrando o nada, exceto o motorista, por assim dizer, parecia normal, mas, pensando bem, estava de roupas brancas também, porém, no momento todos acharam que era o uniforme da Garcia."

    Definitivamente, o ônibus que os havia resgatado não mais era um simples coletivo – era um mensageiro de almas, transitando entre o mundo dos vivos e o reino dos mortos, talvez em busca de companhia ou, quem sabe, de um último trajeto pela estrada que um dia fora seu destino final.

    A mesma aluna que ligou para a empresa, por vias das dúvidas, resolveu encomendar uma missa para os passageiros falecidos no acidente com o ônibus da Garcia, afinal, quem sabe não era isso que queriam em troca da gentil carona.

    Esta história permaneceu em segredo por um bom tempo, isso porque os estudantes achavam absurdo demais comentar, porém algum dia alguém resolveu revela-la ao jornal folha extra.




Este conto é uma adaptação da história "Ônibus Garcia" contido no Jornal Folha Extra, na coluna "Lendas do Interior".


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