domingo, 26 de janeiro de 2025

A Prisão do Lobisomem - Histórias Tavorenses

 

A Prisão do Lobisomem

Nas décadas de 1960 e 1970 histórias de lobisomens ganhavam vida em sussurros ao redor das mesas nas cidades do interior. Era um tempo em que o silêncio das estradas e a escuridão das matas alimentavam o imaginário popular. Muitos juravam ter visto sombras que se moviam rápidas como o vento ou ouvido uivos que rasgavam a quietude. E essas narrativas ganhavam ainda mais força sob a luz prateada da lua cheia.

Maio era um mês de noites claras e brisa suave, mas aquela noite, uma sexta-feira parecia carregada de algo mais. O céu estava limpo, e a lua cheia reinava, projetando seu brilho espectral sobre o bairro rural de Varsóvia, município de Joaquim Távora/PR. Era quaresma, e a fé das pessoas se misturava com superstições e crendices antigas. Naquela noite, a casa de um agricultor devoto da Virgem Santa fora o ponto de encontro para a reza do terço, um costume praticado, à época, pelas famílias do campo.

Após as orações, os convidados se reuniram para compartilhar pipoca, amendoins torrados, bolos caseiros e a irresistível batida de coco, apelidada de "coquinho". Risadas ecoavam, misturando-se ao aroma de cachaça e ao murmúrio das conversas. Quando o relógio marcou 21h30, quatro homens, um pouco mais leves de espírito — e pesados de bebida —, montaram em seus cavalos e tomaram o caminho de casa.

A estrada, iluminada apenas pela lua e pelo brilho ocasional de vagalumes, serpenteava pela escuridão e se ouvia o farfalhar suave das folhas abanadas por um brisa que ameaçava se tornar vento. Quando passaram ao lado do Clube de Campo Caça e Pesca, o silêncio foi interrompido por um movimento estranho à frente. Um vulto emergiu da escuridão, avançando devagar, mas com uma presença que congelou o ar ao redor.

— Que Deus nos proteja… — murmurou um deles, enquanto outro, com a coragem inflamada pelo álcool, sussurrou:

— Olha lá... é um lobisomem!

A criatura se movia com passos desajeitados, como se cada movimento exigisse um esforço sobrenatural. Pelos negros e densos reluziam sob a luz da lua, e olhos vermelhos, brilhantes como carvões incandescentes, fitavam os homens. Eles hesitaram por um instante, mas observaram que a criatura parecia estar passando mal ou engasgada com um tucho de penas vermelhas de galinha de galinha na boca.

Observando a ligeira desvantagem da criatura, a curiosidade e a antecipação da glória tomaram conta deles.

— Vamos pegá-lo! — bradou um deles.

Sem pensar, desmontaram os cavalos de laços na mão e avançaram. A criatura tentou fugir, seus passos ecoando sobre a ponte do Riozinho, mas o líder o grandalhão do grupo, com a destreza de quem laçava o gado desde jovem, lançou a besta por um lado. Outro homem jogou o seu laço e ficaram segurando a fera em posição oposta. Os outros dois a encurralaram a criatura na ponte de madeira sob a qual escorre o riacho apelidado de Búfalo e reforçaram a amarração. Em meio a grunhidos e urros assustadores, o lobisomem foi finalmente subjugado. Os homens não se continham em si pela alegria de ter feito aquela façanha antecipando os elogios e as histórias que contariam sobre o ocorrido.

De perto, a visão era ainda mais aterrorizante. As orelhas da criatura pareciam as de um elefante, mas menores e grotescamente distorcidas. Seus dentes, enormes e afiados, projetavam-se como punhais e eram três vezes maiores do que os dentes de um cachorro. Os pelos grossos e negros lembravam os de um javali, enquanto as pernas arqueadas e apoiadas nas pontas dos pés traziam à mente a figura de um canguru deformado. Quando se movia, o corpo curvava-se de forma grotesca, como se a criatura fosse feita para o terror e não para este mundo. Os braços eram curtos, de forma que se o bicho ficasse de quatro sua lombar ficava inclinada como um escorregador.

Orgulhosos e excitados, os homens decidiram levar o capturado à polícia. A patrulha da cidade consistia apenas em um Fusca antigo, e Joaquim Távora não tinha cadeia própria. Assim, seguiram em direção a Carlópolis, a cidade vizinha. No caminho, o lobisomem rugia e se contorcia, mas os homens mantinham a vigilância, o haviam amordaçado. Não havia dúvidas de que estavam convencidos de que haviam realizado um feito heroico.

No entanto, ao amanhecer, o mistério tomou um rumo inesperado. Na delegacia, já não havia sinal da besta. Em seu lugar, encontraram totalmente nu e com uns arranhões pelo corpo, um homem muito conhecido na região — um fazendeiro de renome, com terras vastas e influência política. Seu semblante era abatido e com olheiras visíveis, mas havia algo nos olhos que sugeria uma verdade oculta.

O delegado calça curta de Carlópolis, reportou a situação as autoridades de Curitiba. Porém como ninguém tomou o cuidado de tirar uma foto do monstro, ninguém acreditou, trataram o caso como uma insensatez e ameaçaram demitir o delegado. O fazendeiro foi libertado sem qualquer acusação, e o delegado de Carlópolis recebeu ordens para silenciar o ocorrido. Os homens que haviam capturado o lobisomem foram persuadidos a manter segredo com promessas de dinheiro e favores.

Ainda assim, os rumores vazaram, como sombras que nem a luz do dia consegue dissipar. Os moradores de Varsóvia cochichavam sobre a noite em que o lobisomem foi capturado, mas poucos ousavam falar abertamente. O fazendeiro continuou sua vida como se nada tivesse acontecido, mas, nas noites de lua cheia, quem passava pela estrada do clube Caça e Pesca jurava ouvir grunhidos e sentir a presença de algo que não pertencia a este mundo.

E assim, a lenda do lobisomem de Joaquim Távora permaneceu por anos ofuscada pela dúvida, mas quem conta esse relato garante que é verdade e afirma que ainda hoje um dos quatro que prenderam a fera vive no Estado de Rondônia.

 

Adendo: Escrito e adaptado por André Tressoldi, baseado no relato do Sr. Moacir, que residia no bairro Varsóvia na época do fato.

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