quarta-feira, 23 de julho de 2025

Minha dissertação de Mestrado em Administração Pública


GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE: IDENTIFICAÇÃO DAS PRINCIPAIS DIFICULDADES

Apresentei esta dissertação no programa de Mestrado em Administração Pública pelo Profiap - UTFPR ( Universidade Tecnológica Federal do Paraná), cujo objetivo foi identificar e analisar as principais dificuldades na gestão de resíduos sólidos (GRS) em municípios de pequeno porte da microrregião de Wenceslau Braz, Paraná.

Municípios pesquisados

Foram investigados os seguintes municípios:

  • Wenceslau Braz

  • Carlópolis

  • Guapirama

  • Siqueira Campos

  • Joaquim Távora

  • Quatiguá

  • Salto do Itararé

  • Tomazina

  • Santana do Itararé

  • São José da Boa Vista

Metodologia

A pesquisa analisou dados oficiais das plataformas SINIR (Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos) e SINISA (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), os planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos (PMGIRS), informações públicas obtidas via pedidos formais e os sites oficiais dos municípios. O objetivo foi comparar a realidade local com a legislação vigente e a literatura acadêmica sobre GRS em pequenos municípios.

Resultados principais

  • Lacunas nas declarações das plataformas SINIR e SINISA: Todos os municípios apresentaram dados incompletos ou desatualizados, dificultando a análise precisa da situação.

  • Falta de transparência nos sites oficiais: Informações públicas sobre a gestão de resíduos eram insuficientes ou inexistentes, comprometendo o controle social.

  • Planos municipais desalinhados com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): Muitos PMGIRS estavam desatualizados, pouco claros ou incompletos, sem metas ou ações eficazes.

  • Estrutura razoável para coleta e disposição final: Apesar das falhas administrativas, a maioria dos municípios conta com sistemas básicos para coleta e destinação dos resíduos, incluindo iniciativas consorciadas.

  • Deficiências na gestão:

    • Falta de qualificação técnica dos gestores e operadores.

    • Desconhecimento dos dados reais sobre geração e destinação dos resíduos.

    • Ausência de fiscalização adequada e controle dos serviços.

    • Campanhas de conscientização públicas pouco efetivas e pouco frequentes.

  • Ausência de política municipal robusta: Os municípios carecem de legislação local específica e organizada para a gestão dos resíduos.

  • Falta de apoio técnico e capacitação: Os governos estadual e federal não oferecem suporte suficiente para capacitação e assistência técnica às administrações municipais.

  • Os planos de gestão de resíduos são mais um relatório do que um plano em si mesmo.

Comparação com a literatura acadêmica

  • Os problemas identificados na microrregião são amplamente recorrentes em pequenos municípios brasileiros.

  • Má gestão representa cerca de 73,91% dos problemas locais, e 77,8% na literatura, enquanto dificuldades financeiras são citadas em 26,09% e 22,2%, respectivamente.

  • Contudo, as questões financeiras não foram comprovadas por dados concretos, sugerindo que o principal entrave é a gestão inadequada.

  • A ineficiência administrativa, falta de transparência, ausência de legislação específica e o uso inadequado das plataformas SINIR e SINISA são pontos críticos em ambos os contextos.

Conclusão

A principal dificuldade enfrentada pelos pequenos municípios é a deficiência na gestão da coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos, e não a falta de recursos financeiros como se costuma alegar. Essa má gestão se manifesta na ausência de transparência, inexistência de políticas municipais estruturadas, desconhecimento e falta de controle sobre os dados, além da escassez de fiscalização e de campanhas educativas.

O estudo recomenda:

  • A adoção obrigatória da Política Nacional de Resíduos Sólidos como norma municipal, para garantir um arcabouço jurídico eficaz.

  • Criação de comissões locais de gestão de resíduos sólidos (CGRS) para implementar e monitorar as ações necessárias.

  • Investimento em capacitação técnica e apoio governamental estadual e federal para os gestores municipais.

  • Melhoria da transparência e do controle social, através do acesso facilitado às informações públicas.

  • Promoção contínua de campanhas de educação ambiental.

Essas medidas são viáveis e não dependem exclusivamente de novos recursos, mas sim do aprimoramento da gestão, do compromisso político e do engajamento da população.


Para consultar a dissertação na íntegra, acesse a  dissertação na íntegra.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Stanislav Petrov, o homem que evitou uma guerra nuclear


Stanislav Petrov. Domínio Público.

“Quando o sistema exigia obediência cega, a consciência de Stanislav Petrov evitou uma catástrofe nuclear sem precedentes”





Na madrugada de 26 de setembro de 1983, durante o auge da Guerra Fria, o planeta esteve a segundos de uma guerra nuclear. Foi pelo ato de uma única pessoa que escapamos. Isso porque um homem decidiu pensar, raciocinar, sentir e agir com grande racionalidade, prevendo as consequências devastadoras de uma guerra nuclear.

Esse homem era Stanislav Petrov, tenente-coronel da Força Aérea Soviética. Ele estava de plantão na base de Serpukhov-15, uma instalação militar altamente secreta ao sul de Moscou, encarregado de monitorar sinais de ataques inimigos. Subitamente, os computadores alertaram: os EUA haviam lançado um míssil balístico. Depois, mais quatro.

O protocolo exigia reação imediata: comunicar ao alto comando e acionar a retaliação nuclear. Mas Petrov começou a raciocinar:

Por que apenas cinco mísseis?
Por que os radares de solo estavam silenciosos?
E se fosse um erro?
E se milhões de vidas estivessem nas suas mãos — dos dois lados da guerra?

Mesmo diante da pressão, do risco pessoal e da máquina militar soviética esperando um clique seu, ele decidiu confiar em algo mais profundo que qualquer sistema: seu discernimento, sua consciência e seu senso de empatia.

Hoje, muitos se perguntam: o que o guiou naquele momento?
Foi apenas uma decisão racional? Ou talvez algo mais?
Alguns dizem que foi a voz do bom senso. Outros, que foi reflexo de um coração piedoso, que soube se colocar no lugar do outro. E há ainda quem veja nisso uma verdadeira inspiração divina — um sussurro do Espírito Santo, agindo através de um homem comum para impedir o desastre total.

O que é certo é que os sistemas falharam — tecnológicos, militares e políticos.
A única coisa que não falhou foi a consciência de alguém que ousou interromper a cadeia de destruição com um simples gesto: não acionar os botões quando o sistema pedia para acioná-los.

Stanislav Petrov, ao invés de condecorado, foi repreendido pelo sistema.

Morreu em 2017, quase sem reconhecimento público. Mas sua atitude permanece como um dos maiores atos de paz silenciosa da história.

No momento atual, por incrível que pareça, estamos com diversos conflitos armados sérios no mundo e o risco da guerra nuclear não está afastado. 

Precisamos urgentemente de mais homens como Stanislav Petrov!



Para quem quiser entender um pouco dos conflitos mundiais sugiro que assista ao documentário Ponto de Virada: A bomba e a guerra fria


📌 Curiosidades históricas

  • 📍 Local do evento: Base de comando Serpukhov-15, região de Kaluga, URSS.

  • 🛰️ Causa do alarme falso: Reflexos solares nas nuvens foram confundidos por satélites como mísseis.

  • 🚫 Consequência evitada: Um contra-ataque soviético automático que, com alta probabilidade, teria iniciado uma guerra nuclear global.

  • 🎬 Filme/documentário: The Man Who Saved the World (2014), com participação do próprio Petrov.

  • 📚 Reconhecimento internacional: Após os anos 1990, Petrov recebeu homenagens da ONU e ONGs de desarmamento nuclear, mas sempre de forma tardia e discreta.



segunda-feira, 2 de junho de 2025

Victorina Miskalo Sagboni: a ilustre artista nascida em Joaquim Távora/PR

VICTORINA SAGBONI JOVEM
FONTE: Blog
 Victorina Sagboni

Poucas figuras representam tão bem a união entre sensibilidade artística, compromisso com a educação e valorização da cultura paranaense quanto Victorina Miskalo Sagboni. Nascida em Joaquim Távora/PR, em 1932, Victorina se destacou como artista plástica, escritora e professora, sendo, sem dúvida, uma das artistas mais festejadas e premiadas que a cidade já revelou.
Formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, sua carreira começou no Norte do Estado, onde atuou como diretora da Escola Normal Fernando Amaro, em Arapongas. Em 1964, retornou a Curitiba e passou a colaborar com o artista Guido Viaro no Centro Juvenil de Artes Plásticas (CJAP), instituição que viria a dirigir após a saída do mestre, consolidando seu papel como referência no ensino de artes visuais no Paraná.


Sua obra artística é marcada por múltiplas técnicas e suportes. Trabalhos como Porta Bidimensional (1979) mostram sua busca por novas formas de expressão estética, sempre com grande domínio técnico e profundidade poética.

Obra da autora
Fonte:  Blog Victorina Sagboni



Victorina também se destacou na literatura, publicando livros como Canção de Muitas Despedidas (1984) e Trovinhas Apenas... de Amor e Saudade, além de integrar a antologia Um Século de Poesia: Poetisas do Paraná (1953), organizada por Helena Kolody.

Faleceu em 2009, mas deixou um legado cultural que ecoa até hoje, tanto nas artes visuais quanto na literatura e na formação de novos artistas.

Victorina Sagboni não foi apenas uma grande artista: foi uma educadora visionária, uma poeta delicada e uma figura essencial na história da arte e da cultura do Paraná. Joaquim Távora pode se orgulhar de ter sido o berço de uma personalidade tão marcante.

Escola em Joaquim Távora. 
Fonte: 
Blog Victorina Sagboni

Domingo Um Passeio no Campo (obra da autora)

Esta matéria foi inspirada no blog Victorina Sagboni, ao qual recomendo a leitura.

Abaixo transcrevo uma poesia de Victória

PERCEPÇÃO

Existe no meu um coração sem vida.

Por causa da tristeza imensa, da ferida

que me ficou esperanças malogradas,

com gritos de revolta fui culpando a todos!

Mas percebi depressa o quando de injustiça

havia em meu protesto – Não havia culpas

de nada e de ninguém… nem mesmo culpa minha…

(fonte: Blog Victorina Sagboni)



sábado, 3 de maio de 2025

O INDÍGENA DE 160 ANOS

 

Imagem IA
Um relato impressionante publicado pelo Correio Paulistano em 1903

Em 1903, o jornal Correio Paulistano publicou um relato surpreendente: um indígena, então residente na Fazenda Barra Grande, afirmava ter 160 anos de idade. O mais impressionante? Ele ainda mantinha suas faculdades mentais intactas e caminhava, diariamente, cerca de oito léguas a pé — o equivalente a quase 40 km.

O indígena era considerado um macróbio — termo usado para designar pessoas com longevidade extraordinária. O relato foi enviado ao jornal pelo senhor Manoel Rodrigues do Prado, de Santo Antônio da Platina, que ouviu a história diretamente do protagonista.

Na época, Santo Antônio da Platina ainda era distrito de Jacarezinho, e a Fazenda Barra Grande ficava onde hoje estão localizados os municípios de Guapirama e Joaquim Távora. É provável que o indígena residisse em uma comunidade indígena que, situada entre os rios Barra Grande e o Rio das Cinzas.

É natural que muitos duvidem da veracidade dos 160 anos alegados. Ainda assim, o relato documentado pelo jornal está disponível para quem quiser conferir na íntegra. Se a idade for ou não verdadeira, o que importa é o valor histórico do testemunho — um registro de que, já em 1903, havia presença humana organizada (inclusive indígena) na região que hoje chamamos de Norte Pioneiro do Paraná.

O relato também escancara uma realidade muitas vezes negligenciada: a convivência, forçada ou não, entre indígenas e colonizadores. A posse da terra raramente foi pacífica ao longo da história. Povos sempre tomaram territórios uns dos outros, e essa tensão permanece até hoje, ainda que com outras roupagens.

Muitos afirmam ser "donos" da terra, mas a verdade é que ninguém a possui de fato. Somos apenas ocupantes temporários. A terra permanece; os homens passam. E a história do velho indígena é um lembrete disso.

O indígena relatou que, aos 15 anos, vivia no sertão de Itapetininga (SP). Foi quando conheceu Frei Pacífico, um missionário que catequizava — e também escravizava — índios. Batizado com o nome de Antônio, foi levado à casa do frei, onde viveu como escravo por muitos anos.

Em 1758, com a promulgação do decreto do Marquês de Pombal que libertava os indígenas escravizados, ele partiu para Minas Gerais, convidado por índios já "civilizados". Visitou o Rio de Janeiro e dizia ter presenciado a execução de Tiradentes. Contava, com temor, que presenciou "coisas que tinha medo de relatar".

Cansado da violência em Minas — onde "se enforcava muita gente" — mudou-se para São João do Rio Verde. Por volto de 1889, chegou ao Paraná, onde vivia de forma simples, alimentando-se principalmente de peixes.

Este relato não é apenas curioso — ele é valioso. Mostra que os povos indígenas não eram "coisa do passado" já extinta no século XX. Eles estavam presentes, resistindo, vivendo, contando histórias. A de Antônio (nome de batismo dado por Frei Pacífico) é uma dessas histórias que merecem ser lembradas.

O recorte do jornal Correio Paulistano está disponível para os curiosos e pesquisadores. Vale conferir.

Abaixo: segue o recorte original do jornal:








sábado, 22 de março de 2025

A CASA ONDE NINGUÉM FICA

 

Foto da casa mal assombrada por André Tressoldi (2025)

Entre os anos 70 e 80, um casal ergueu sua casa no bairro Três Galhos, em Joaquim Távora. Era um sítio simples, mas próspero, construído com trabalho árduo e esperança. A casa, sólida e bem feita, representava não apenas um lar, mas um sonho fincado na terra. No entanto, tempos difíceis chegaram. A crise na lavoura e as dívidas com o banco apertaram o cerco, enquanto os fazendeiros mais ricos compravam as terras dos pequenos produtores a preços irrisórios. Alguns vendiam por necessidade, outros por desespero, e havia ainda aqueles que eram empurrados para fora por meios que poucos ousavam comentar.

O casal lutou enquanto pôde, mas acabou cedendo à pressão. Venderam a propriedade, mas a mulher nunca se conformou. Deixar sua casa, entregar seu sonho nas mãos de outro, era um golpe que ela não aceitava. No dia em que partiu, diante do novo dono, lançou um presságio: ninguém jamais moraria ali por muito tempo.

O fazendeiro que comprou o sítio não deu ouvidos. Instalou logo um caseiro na casa, depois outro, e mais outro. Mas nenhum conseguia ficar mais de quinze dias na moradia. Barulhos inexplicáveis, objetos que se moviam, estalos e sombras sorrateiras perturbavam os moradores, e, durante o sono, sonhos inquietos tomavam conta dos residentes. Alguns falavam de uma sensação estranha, um peso invisível nos ombros, como se fossem intrusos. A casa, a primeira vista acolhedora, tornara-se um lugar de passagem, rejeitando qualquer tentativa de permanência.

Sem escolha, o fazendeiro mandou construir novas moradias para seus empregados e deixou a casa vazia. Com o tempo, sua fama se espalhou. Moradores e visitantes relatavam ruídos estranhos à noite, como sussurros no vento ou passos no assoalho. Alguns juravam ter visto tatus entrando sob a casa, mas ao verificarem, nada encontravam. Outros apenas sentiam o silêncio espesso, pesado como um véu.

Um dia, um homem roçava a vegetação nos arredores da casa quando ouviu, bem atrás de si, a buzina de um jipe. Assustado, virou-se de imediato, mas não havia nada ali, apenas o campo vazio e a casa ao fundo. O som repetiu-se uma segunda vez, alto e insistente. Sem hesitar, ele largou as ferramentas e partiu dali, jurando nunca mais passar a noite naquele lugar.

Ainda hoje relata-se que a maldição lançada, num momento de injustiça, pela antiga dona ainda paira sobre aquela casa, um aviso persistente, um sussurro do passado que ecoa nas noites vazias daquela casa e revela o poder de quem clama por justiça do fundo de sua alma




 *Relato de Wilson Rosa de Lima escrito e adaptado por André Tressoldi.

domingo, 26 de janeiro de 2025

A Prisão do Lobisomem - Histórias Tavorenses

 

A Prisão do Lobisomem

Nas décadas de 1960 e 1970 histórias de lobisomens ganhavam vida em sussurros ao redor das mesas nas cidades do interior. Era um tempo em que o silêncio das estradas e a escuridão das matas alimentavam o imaginário popular. Muitos juravam ter visto sombras que se moviam rápidas como o vento ou ouvido uivos que rasgavam a quietude. E essas narrativas ganhavam ainda mais força sob a luz prateada da lua cheia.

Maio era um mês de noites claras e brisa suave, mas aquela noite, uma sexta-feira parecia carregada de algo mais. O céu estava limpo, e a lua cheia reinava, projetando seu brilho espectral sobre o bairro rural de Varsóvia, município de Joaquim Távora/PR. Era quaresma, e a fé das pessoas se misturava com superstições e crendices antigas. Naquela noite, a casa de um agricultor devoto da Virgem Santa fora o ponto de encontro para a reza do terço, um costume praticado, à época, pelas famílias do campo.

Após as orações, os convidados se reuniram para compartilhar pipoca, amendoins torrados, bolos caseiros e a irresistível batida de coco, apelidada de "coquinho". Risadas ecoavam, misturando-se ao aroma de cachaça e ao murmúrio das conversas. Quando o relógio marcou 21h30, quatro homens, um pouco mais leves de espírito — e pesados de bebida —, montaram em seus cavalos e tomaram o caminho de casa.

A estrada, iluminada apenas pela lua e pelo brilho ocasional de vagalumes, serpenteava pela escuridão e se ouvia o farfalhar suave das folhas abanadas por um brisa que ameaçava se tornar vento. Quando passaram ao lado do Clube de Campo Caça e Pesca, o silêncio foi interrompido por um movimento estranho à frente. Um vulto emergiu da escuridão, avançando devagar, mas com uma presença que congelou o ar ao redor.

— Que Deus nos proteja… — murmurou um deles, enquanto outro, com a coragem inflamada pelo álcool, sussurrou:

— Olha lá... é um lobisomem!

A criatura se movia com passos desajeitados, como se cada movimento exigisse um esforço sobrenatural. Pelos negros e densos reluziam sob a luz da lua, e olhos vermelhos, brilhantes como carvões incandescentes, fitavam os homens. Eles hesitaram por um instante, mas observaram que a criatura parecia estar passando mal ou engasgada com um tucho de penas vermelhas de galinha de galinha na boca.

Observando a ligeira desvantagem da criatura, a curiosidade e a antecipação da glória tomaram conta deles.

— Vamos pegá-lo! — bradou um deles.

Sem pensar, desmontaram os cavalos de laços na mão e avançaram. A criatura tentou fugir, seus passos ecoando sobre a ponte do Riozinho, mas o líder o grandalhão do grupo, com a destreza de quem laçava o gado desde jovem, lançou a besta por um lado. Outro homem jogou o seu laço e ficaram segurando a fera em posição oposta. Os outros dois a encurralaram a criatura na ponte de madeira sob a qual escorre o riacho apelidado de Búfalo e reforçaram a amarração. Em meio a grunhidos e urros assustadores, o lobisomem foi finalmente subjugado. Os homens não se continham em si pela alegria de ter feito aquela façanha antecipando os elogios e as histórias que contariam sobre o ocorrido.

De perto, a visão era ainda mais aterrorizante. As orelhas da criatura pareciam as de um elefante, mas menores e grotescamente distorcidas. Seus dentes, enormes e afiados, projetavam-se como punhais e eram três vezes maiores do que os dentes de um cachorro. Os pelos grossos e negros lembravam os de um javali, enquanto as pernas arqueadas e apoiadas nas pontas dos pés traziam à mente a figura de um canguru deformado. Quando se movia, o corpo curvava-se de forma grotesca, como se a criatura fosse feita para o terror e não para este mundo. Os braços eram curtos, de forma que se o bicho ficasse de quatro sua lombar ficava inclinada como um escorregador.

Orgulhosos e excitados, os homens decidiram levar o capturado à polícia. A patrulha da cidade consistia apenas em um Fusca antigo, e Joaquim Távora não tinha cadeia própria. Assim, seguiram em direção a Carlópolis, a cidade vizinha. No caminho, o lobisomem rugia e se contorcia, mas os homens mantinham a vigilância, o haviam amordaçado. Não havia dúvidas de que estavam convencidos de que haviam realizado um feito heroico.

No entanto, ao amanhecer, o mistério tomou um rumo inesperado. Na delegacia, já não havia sinal da besta. Em seu lugar, encontraram totalmente nu e com uns arranhões pelo corpo, um homem muito conhecido na região — um fazendeiro de renome, com terras vastas e influência política. Seu semblante era abatido e com olheiras visíveis, mas havia algo nos olhos que sugeria uma verdade oculta.

O delegado calça curta de Carlópolis, reportou a situação as autoridades de Curitiba. Porém como ninguém tomou o cuidado de tirar uma foto do monstro, ninguém acreditou, trataram o caso como uma insensatez e ameaçaram demitir o delegado. O fazendeiro foi libertado sem qualquer acusação, e o delegado de Carlópolis recebeu ordens para silenciar o ocorrido. Os homens que haviam capturado o lobisomem foram persuadidos a manter segredo com promessas de dinheiro e favores.

Ainda assim, os rumores vazaram, como sombras que nem a luz do dia consegue dissipar. Os moradores de Varsóvia cochichavam sobre a noite em que o lobisomem foi capturado, mas poucos ousavam falar abertamente. O fazendeiro continuou sua vida como se nada tivesse acontecido, mas, nas noites de lua cheia, quem passava pela estrada do clube Caça e Pesca jurava ouvir grunhidos e sentir a presença de algo que não pertencia a este mundo.

E assim, a lenda do lobisomem de Joaquim Távora permaneceu por anos ofuscada pela dúvida, mas quem conta esse relato garante que é verdade e afirma que ainda hoje um dos quatro que prenderam a fera vive no Estado de Rondônia.

 

Adendo: Escrito e adaptado por André Tressoldi, baseado no relato do Sr. Moacir, que residia no bairro Varsóvia na época do fato.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

TIÃO ABATIÁ

 

Fonte: arquivo Gazeta do Povo

Tião Abatiá foi um abatiaense, morador do Norte Pioneiro do Paraná, que ficou famoso como jogador de futebol, especialmente por sua passagem no Coritiba, clube que o consagrou como um dos maiores ídolos da história. Seu nome ganhou destaque nos campos nos anos 1970, principalmente após uma vitória histórica contra o Santos de Pelé em 1971. Essa partida, onde Abatiá brilhou e foi reconhecido até pelo próprio Rei do Futebol, marcou o ápice da sua carreira e o catapultou para o estrelato.

Tião nasceu em 20 de janeiro de 1945 em Abatiá, iniciou sua carreira futebolística no Cambaraense, de Cambará, cidade vizinha. Em 1966, ele se transferiu para o União Bandeirante, onde foi vice-campeão paranaense em 1966, 1969 e 1971, sendo também o artilheiro do estadual nesse último ano. No mesmo ano, Tião se mudou para o São Paulo, mas disputou apenas uma partida pelo clube paulista que não teve dinheiro para pagar o passe.

Em 1971, Tião foi contratado pelo Coritiba, juntamente com Paquito, seu companheiro de ataque no União Bandeirante. Eles fizeram sua estreia no time alviverde da capital no domingo, 15 de agosto. No mesmo ano, Tião conquistou a Bola de Prata da revista Placar como o melhor centroavante do Campeonato Brasileiro. Ele permaneceu no Coritiba até 1975, quando foi emprestado à Portuguesa.

No ano seguinte, em 1976, o atacante retornou ao futebol paranaense, desta vez jogando pelo Colorado. No Campeonato Estadual daquele ano, Abatiá marcou 24 gols, superando por um gol seu ex-companheiro de ataque, Paquito, que foi o vice artilheiro pelo Grêmio Maringá.

Fonte: Coxanautas

Provavelmente, o personagem "Tião Abaterá", criado para a revista Zé Carioca em 1972, foi inspirado no nome de Tião Abatiá, devido à semelhança fonética entre os dois. O personagem, que aparece na história "Futebol não tem lógica", é retratado como um craque temido nos campos de futebol, refletindo a popularidade e a habilidade de Abatiá, mas agora no universo dos quadrinhos. Embora não tenha havido uma confirmação oficial dos roteiristas sobre essa inspiração, a coincidência é evidente, e muitos fãs reconhecem a homenagem feita a Abatiá, cuja fama certamente influenciou a criação do personagem.

Outra curiosidade marcante é que em 27/10/1971 a torcida do Coxa, gritava “Tião Abatiá é melhor que Pelé!” por conta da vitória obtida pelo seu gol contra o Santos.

Faleceu em 16/08/ 2016 aos 71 anos, e residia em Ribeirão do Pinhal, Norte Pioneiro do Paraná.

Coritiba, no início dos anos 70. Em pé, da esquerda para a direita: Pescuma, Hermes, Hidalgo, Célio, Cláudio Marques e Nilo. Agachados: Leocádio, jogador não identificado, Hélio Pires, Tião Abatiá e Rinaldo. Fonte: 3° Tempo


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